sexta-feira, 26 de março de 2010


Especiaria rara


Há temperos que se prendem à minha boca
Num paladar misterioso e sem pêjo.
Canela em pau,cravo da India, menta ardida,
Pimenta malagueta, gengibre, alecrim.
Pequi exótico, manjericão e anis estrelado.
Louro, tomilho, salsinha, páprica picante,
Pimenta do reino, sálvia, hortelã e erva doce.


Tantos sabores de incontáveis talentos
Ardidos, acres, doces, azedos, perfumados.
Prazeres sensuais destinados a mim.
Mas... Meu amor de gosto raro,
Nenhum se compara à delicia do teu beijo.


-Helena Frontini-

quinta-feira, 25 de março de 2010


Compasso de espera


As folhas caem amareladas e ressequidas
Misturadas ao pó ardido e amargoso.
Um vento gelado com lâminas perfurantes
Prenuncia a chegada da nova estação.


Meu desejo necessita do calor ausente.
Aquecendo-me num amor terno e vigoroso
Alimentado pelo fogo da imaginação.


Fujo à medo do frio que desespera...
Os sentimentos como folhas atrevidas
Trazem o outono ao meu coração
Que destemido, espera.


-Helena Frontini-

quarta-feira, 24 de março de 2010


Um homem que chora...


Tenho os olhos secos, não sei chorar.
Meu pranto é prisioneiro incerto
Numa fortaleza falsa e cheia de medos.
Cresci ouvindo que homem não chora
É piegas, arma secreta de mulheres...
Tive perdas, mágoas, dores, saudades
E os olhos como areia do deserto.


Lágrimas retidas viram pedras na alma.
Um dia por um motivo banal, eu sei,
Tudo vai desabar dentro de mim.
Chorarei como todos os privilegiados
Que sabem amar, sofrer e extravasar.
Rios lavarão tudo o que nunca ousei
E a alma leve e limpa irá brilhar.


-Helena Frontini-

terça-feira, 23 de março de 2010


Descaminhos


O amor não conseguiu encontrar uma saída.
Perdeu-se em becos escuros e covardes.

Nuvens tão pesadas fizeram chover mágoas
Encobrindo a claridade e a chama feroz.

Tantas tentativas inúteis e desesperadas
Valeram nada ante a pressão demolidora.

No emaranhado de fios que nos atava
Fomos marionetes,manietadas e sem voz.

Venceu o mundo,o mêdo,a mediocridade.
Foi-se o amor em busca de mais coragem...

Deixando-nos,assim: sós!


-Helena Frontini-

Noite e dia...


Amo-te,meu amor, no romper da alvorada
Um brilho ingênuo e doce a despertar.

Amo-te,meu amor, no sol quente do meio dia
Queimando as entranhas em fogo ardente.

Amo-te,meu amor, na lassidão do entardecer
Mornidão terna entremeada de desejos.

Amo-te,meu amor, na noite que nos encobre
Feitiço dos corpos enlaçados e amantes.

Amo-te,meu amor, na nudez da madrugada
Morta em teus braços,exausta de prazer.


-Helena frontini-

segunda-feira, 22 de março de 2010


Planeta água


Choram as flores quando são arrancadas
Sem futuro para a próxima estação.

Choram as águas quando são alteradas
Gosto amargo e travoso de poluição.

Choram os bichos quando são vilipendiados
Sem voz reclamante de contestação.

Choram as matas quando são dizimadas
Leite verdolengo, a escorrer pelo chão.

Choram os amores quando são separados
Desgosto e renuncia em comunhão.

Choram os olhos de ardencia e revolta
Por tantas dores,injustiças,aflição.

Choram os deuses ao nos ver pecadores
Fazendo tudo chorar em vão.


-Helena Frontini-

sábado, 20 de março de 2010



Invisível


Meus passos deixam marcas no chão.
Tenho uma sombra que me acompanha sempre.
Falo,ouço e tenho todos os sentidos apurados.
A mente é jovem, aberta como um leque
E a poesia derrama-se de mim em cachoeira.


Tantas vezes torno-me meu próprio espelho
Refletindo só a mim mesma.
Não me ouvem, não me olham, não me tocam.
Minha poesia queda triste e desarvorada
Errante no limbo da invisibilidade.


-Helena Frontini-

Sobre sonhos


Liberta teu espírito e vaga além desta terra
Deste mundo pequeno e de fronteiras.
Vastidões esperam ser descortinadas...
Sonha,que o teu sonho carrega teu corpo
Numa viagem estranha e permitida.

Devassa todos os mares e continentes
Espaços reclamam tua presença e coragem
Tantos sóis e luas a nascer e morrer...
Sonha e desbrava teus fantásticos reinos
Pois tudo é teu por decreto da fantasia.

Governa com brandura e sem avidez
Teus devaneios e teus sonhos mais belos
E terás um mundo novo a cada dia.


-Helena Frontini-

sexta-feira, 19 de março de 2010


Sem volta


Não importa se esta presença que me acompanha
É um vulto encolhido e cansado do meu passado.
Não importa se o ruido de passos em minha mente
Arrasta-se em correntes que nos prendem.

Não importa se o misto de ansia e fervor que sinto,
Resvala no caos absurdo que eu mesma criei.
Não importa se te aceito com amargura e deleite
Espantando minhas noites insones e densas.

Sobrevives em mim como uma planta tantalizante
Enquanto amo teus veios leitosos e amargos...
Teu amor envenenou-me e dele morrerei.


-Helena Frontini-


Uma crença em anjos


Um anjo vela por mim entrelaçado em minha alma
Não vejo seu rosto,mas seu amor é constancia
Aparece e desaparece como num passe de mágica.
Por vezes sinto seu perfume de anjo que é peculiar
Tem cheiro de fruta madura colhida no pé.
Suas mãos seguram as minhas nas horas incertas
E são mãos de anjo de verdade!
Translucidas,de cor indefinida e mornas e boas...
Sou feliz em tê-lo por perto.Ele me escolheu
E me acolheu em sua segurança irreal.
Todos têm seu anjo particular,estou certa disso,
Mas, o meu?...O meu é especial.


-Helena Frontini-

quarta-feira, 17 de março de 2010


Corpo e alma


Minha alma tem ansias inauditas de liberdade.
Neste corpo contido, bandido, bendito
Habita um pássaro de asas quebradas,mas vivas
Até o ponto onde pode ser vivo um pássaro de asa partida.
Preciso de espaços plenos para curar minhas feridas
Latejam, ardem, doem e demoram a cicatrizar.
Que pena sinto de mim por ser tão dependente de mim...
Nada me perturba tanto como esta gota aflita e quente
Que teima em cair em minhas penas imprecisas
E demora a evaporar.


-Helena Frontini-

terça-feira, 16 de março de 2010


Bicho do mato


Sou bicho do mato, fujo das pessoas
Sem paciencia para conversas à toa.

Fofocas e intrigas me deixam louca
Gosto de palavras medidas e poucas.

Gritos me assustam e brigas repudio
Estaco num canto e até me arrepio.

Não contem o que se diz do vizinho,
Da comadre, do padeiro, do priminho.

Sou assim:meio chata e introvertida.
Se alguém chega já estou de saída.


-Helena Frontini-

segunda-feira, 15 de março de 2010


Camuflagem


Minha raízes proliferam no fundo
Onde a seiva vivifica e se enobrece.
Sinto o vapor acre emanando da terra
Aguas, musgo, humus, areia
Cheiro de folhas da última estação.

Frutos madurados pelo sol apetecem,
Sumo a escorrer e manchar a pele.
Tanto verde martelando na veia
Fáz-me planta misturada à vegetação
Iguais a todas que há no mundo...

Vicejo em flores que amadurecem
E ninguém percebe.


-Helena Frontini-


Para sempre


Carrega-me em teus braços de abrigo
Pousa teu beijo em minha boca de medos.
Cante uma canção dolente ao meu ouvido
Sinta-me nua e desperta a teus desejos,
Abelha destilando o mel da oferenda.


Aperta-me forte contra teu peito irizado
Olhe em meus olhos e não se arrependa
De dar-me todos os teus segredos.
Leva-me contigo a este mundo de lendas,
O único que nos foi destinado.


-Helena Frontini-

sexta-feira, 12 de março de 2010


Anos Luz


Meus sonhos foram-se para noites distantes
Rutilam seus eternos sóis a me enfeitiçar.

Foram-se desvalidos para sua nova morada
Espaços infindos, onde vão se abrigar.

Pressinto que gritam meu nome, ao vê-las,
Pérolas prenhes dos devaneios meus.

Voarei para longe desta vida ensimesmante
Em rompimento certo e digno de adeus.

Sonhos abandonados,não conseguem brilhar
Meu destino é ser catadora de estrelas.


-Helena Frontini-

Infantil


Quando vejo esta flor solitária e selvagem
Recordo teu desamor e minha voragem.

Minha alma de mulher dona de seiva e ardor
Obstinada pela tua, uma chama sem valor.

Amor de menino, sem respeito ou pujança.
Brincando de arremessar sua lança.

Tudo errado, nesse romance tão desigual
Imaturidade destronando o ideal.

Na despedida deste-me esta orquidea
Última lembrança de tua perfidia.


-Helena Frontini-

quinta-feira, 11 de março de 2010


Fama


Muita luz.Excesso de luz e refletores
Fui ator num palco repleto de atores.

Agraciado em glórias e honrarias
Meu ego adulado mais do que deveria.

Tive escolhas e escolhi ser arrogante
A luz cegou-me irremediavelmente.

Todos iguais e até com maior valor
E eu,achando-me superior...

A ambição deu-me brilho em demasia.
Perdi-me em minha tola fantasia.


-Helena Frontini-

terça-feira, 9 de março de 2010



Percepção


Uma mulher sabe quando o amor desistiu
Sente na carne o elo que se quebrou,
Ferrugem na corrente que reluziu.
Desculpas, ausencias, falta de vontades
Ou vontades vacilantes e geladas.
Amor que teve um tempo e se fechou
Num circulo vicioso e sem maldade.
Rotina, rotina e mais nada.


-Helena Frontini-

Nunca mais


Adormeci este amor num canto escuro
Onde guardo as decepções e as dores.
Cobri-o com palavras exorcizadas
Para que durma por toda a eternidade.


Por vezes,ele acorda,escuto seus gritos
Chama meu nome.repete que me ama.
Quase acredito,quase me enfeitiço,
Então me recordo e fecho os ouvidos.


-Helena Frontini-

segunda-feira, 8 de março de 2010


Nonsense


Não sei se este beijo tem nome
Encharcado,escandalizado
Repleto de ardor...
É assim que te quero beijar:
Molhada,desatinada
Sem pudor...


-Helena Frontini-

Mulher


Não creia nesta noção de fragilidade,ditada por quem nunca foi mulher.
Sua garra é sutil e inquebrantável, entremeada de risos,rezas e choros.
Seus braços carregam pesos e plumas e seus seios acolhem e se encolhem.
Seus lábios calam,gritam e dizem não e suas mãos acariciam e se defendem.
Seus olhos sonham morando no real e seu corpo é de veludo e de espinhos.
Suas pernas de hastes grossas ou delicadas e seus pés de anjo e de dores.
Mesmo se não é bela,sua força é uma flor que merece respeito e valor.
Filha de Gaia,mãe natureza, que lhe dá parte de si para que seja inteira.
Cada uma sendo um mundo misterioso contido em si mesmo.


-Helena Frontini-

sábado, 6 de março de 2010


Chuva de lágrimas


Todas as aguas acabam misturadas:
Rios, cachoeiras, suores, chuvas, orvalhos,
Cascatas, riachos, mares e tantas lágrimas.
Evaporadas, em busca de seu espaço
Dormem à espera da tempestade.


Hoje em que a tristeza aperta como laço,
Abrem-se como flores encharcadas
Derramando nostalgia em minha alma.
Rompem os céus ante olhos sem bondade
Chorando em mim fontes de mágoas.


-Helena Frontini-

sexta-feira, 5 de março de 2010


Netuno


Vem, com teus mares de gemidos e mistérios
Inundar minhas praias de areias claras.
Invadir com tuas aguas de sais cristalinos
Recôndidos sequiosos de imersão.


Vem, com tuas marés copiosas e constantes
Carregadas de conchas e jóias preciosas
Coroar-me rainha deste reino molhado
Em rituais de ousadia e sedução.


Vem, com tuas ondas mansas e destemidas
Levar-me para todos os teus abismos...
Afogar-me e voltar fluida e transparente
Rendida por teu mar de perdição.


-Helena Frontini-

quinta-feira, 4 de março de 2010


Conclusão


Há silencios que gritam enlouquecidos
Reverberam como trombetas nos ouvidos.

Há palavras que se fecham na garganta
Num travo amargo de desesperança.

Há momentos que inexistem e se perdem
Em gritos silenciosos que emudecem

Em palavras prisioneiras de fim abrupto
Alheamento que não gera frutos.


-Helena Frontini-

quarta-feira, 3 de março de 2010


Lua nua


Fica comigo nesta noite encantada.
Há uma lua cheia bordando a noite clara.

Riscos de prata devassando nosso amor
Lambem nossos corpos em despudor.

A nudez descoberta,uma escultura valiosa
Sem preço,sem pêjo,sem hora.

Na madrugada,deita-se a lua na cama
Única vestimenta de quem ama.


-Helena Frontini-


Ponto final


As palavras emudecem à nossa volta
Tornam-se combalidas e sem coragem.
Os anseios que eram meus e eram teus
Largam-se num canto,abandonados.
Paixão efêmera de voo razante
Sem asas ou céus que a elevassem.
Este fim de poucas dores, sem revolta
Poreja um cansaco desgastante
À espera do adeus.


-Helena Frontini-

terça-feira, 2 de março de 2010



Ao te encontrar...


Meus afagos serão decorosos e aveludados
Minhas mãos,caricias de seda e arminho.

Trarei a boca sem as marcas de outros beijos
Virgem para teu gosto de fruto sazonado.

O corpo maduro se fará rebento em tua mão
Pássaro novo em busca de seu ninho.

Minha alma estará lavada e lustrosa
Ao te entregar meu coração.


-Helena Frontini-


A flor da poesia


Nem sempre a poesia é flor sem espinhos
Néctar embriagante escorrendo das palavras.
Vez em quando, dói como cacto perigoso
Crivado de agulhas trespassantes.
Ser poeta é cultivar, misturados num só jardim
As emoções que nos fazem humanos.


Palavras cultuam a imaginação ou se perdem
No alheiamento de quem não se importa.
Mesmo assim, escrever é tarefa estimulante
Seja na aridez, seja na inspiração
Um salto mortal sem rede de proteção.


-Helena Frontini-